Olá semideuses, aqui é a Cai ou Caimana como preferirem. Essa semana contaremos a história da Sandy, a mais nova Caçadora filha de Hades. E como a história é dela, será narrada pela mesma.
Assim que
a caçadora terminou sua história, o crepitar da fogueira parecia ser o único
som em todo o acampamento, talvez porque as meninas mais antigas esperassem que
uma nova garota falasse e as novas estivessem muito tímidas para começar a
contar sobre sua vida.
Os olhos
escuros de Sandy passearam pelos rostos já conhecidos e seus lábios se
ergueram em um sorriso pequeno quando a tenente Aurora fez um sinal com a
cabeça, como se estivesse a encorajando a falar. Ela finalmente concordou,
demorou um pouco para começar a falar já que tentava montar uma linha de
raciocínio sobre o que tinha acontecido consigo todo esse tempo...Ou pelo menos
até chegar ali.
— Bom, certo, acho que é a minha vez. — Disse e pôde perceber alguns
suspiros de alívio vindo das meninas mais caladas, o que a fez soltar uma
risada ou algo assim. Então ela começou a contar a história. O que não pôde
contar foi o motivo de seus pais se conhecerem, já que nem mesmo ela sabia ao
certo.
Sua história, ou a história de como seus pais se conheceram, começou
quando Perséfone sumiu.
Sua mãe trabalhava em uma
floricultura então isso acabou a afetado, uma vez que a primavera demorou mais
que o esperado para acontecer. O porquê de uma deusa sumir é que a semideusa
não entendia embora tenha ouvido por algumas garotas que ela tenha fugido para
o Goiás para montar uma dupla sertaneja ou algo do tipo.
Mas o sumiço não foi o real motivo, acontece que a mãe de Perséfone -
ninguém mais, ninguém menos que a deusa Deméter - decidiu ir atrás da pessoa
mais fácil de culpar por esse sumiço: Hades. Mas ela não estava no submundo.
Para um deus, ele é bem inseguro porque passou a acreditar que ela tinha
partido por não o querer mais, então, desolado, deixou o submundo por algum
tempo.
O deus parecia amar mesmo Perséfone, a sequestrou e tudo mais...Por
isso, tentava achá-la no mundo mortal, seguindo qualquer pista que o pudesse
levar até ela. Inclusive as flores que a mãe de Sandy cuidava.
Ao chegar na floricultura deparou-se com Dália, a parte mortal de Sandy.
A mulher tinha a estatura baixa e os fios cacheados caíam como moldura em seu
rosto delicado e moreno, foi quase impossível para o deus não lembrar da
esposa, por isso, aproximou-se com cautela.
Ele era alto, a sua pele era quase tão clara como uma folha de papel,
quase como se evitasse sair de casa em dias ensolarados como aquele. Seus olhos
eram negros como carvão expressavam toda a emoção que seu rosto fechado
escondia. Toda sua roupa era preta, como se estivesse indo a um funeral ou algo
do tipo.
Dália era uma mulher muito doce e sua preocupação, até mesmo por
estranhos, estava sempre presente. Ela se aproximou para perguntar o que houve
e o homem, ainda que em tom distante, lhe explicou ter perdido alguém que muito
amava e que agora ela vivia em um lugar acima dele. Okay, podem confessar, foi
uma boa metáfora para o Submundo e o Olimpo...
Continuando, a mãe da garota era uma romântica incurável, daquelas que
choram lendo Nicholas Sparks e talvez isso explique um pouco o que aconteceu
depois...Ela achou que era uma boa ideia preparar um chá para sentar e tentar
confortar o estranho, afinal, ele parecia tão apaixonado por aquela moça.
Acontece que a mulher lembrava
muito Perséfone, todo aquele cheiro de flores, o modo doce como ela o
tratava...O conjunto da situação fez com que ele tivesse essa recaída e aquela
noite se tornasse mais que apenas ‘choro e vela.’ O que eles não esperavam é
que a volta de Perséfone fosse tão rápida.
Não deu outra, esse caso foi descoberto pela deusa assim que ela voltou
ao Olimpo, isso não agradou nada a deusa, sabemos bem o histórico das amantes
de Hades. Acontece que ela decidiu visitar a florista e a partir desse dia,
nenhuma de suas flores venderam outra vez.
Para ela, a qualidade de suas flores continuava a mesma mas quem a visitasse
ou sequer passasse por ali, tinha uma surpresa desagradável quanto ao cheiro. A
sorte — ou a parte com menos azar — é que Perséfone estava tão focada em se
vingar que não percebeu a gravidez que Dália escondia, uma vez que ela tinha
menos de um mês, e apesar de destruir toda a base econômica que ela tinha para
se manter, não lhe tirou o fruto do amor proibido entre um deus e uma mortal.
Sua paixão pelo cultivo de flores teve que ser esquecido, assim como a
noite que ela teve com Hades e, para uma romântica, isso foi muito difícil.
Acontece que a maldição de Perséfone acabou por ajudar a Dália a esconder sua
filha dos monstros, então Sandy pôde ter uma infância parcialmente tranquila,
mas nada feliz. Dália ensinou sua filha a ler ainda cedo e a menina nunca pôde
ir à escola. Sua mãe passou a trocar as flores por sementes de alimentos, já
que não vendia mais e precisava manter a filha viva. Às vezes saía para pedir
alimentos de doações na cidade vizinha com sua bicicleta.
Enquanto Sandy precisava de seus cuidados, ela conseguiu se manter sã,
mas sua busca pelo homem que ela jurava ter a amado nunca cessava e isso acabou
por ser sua perdição. Tendo a mãe como exemplo, a semideusa jurou que nunca
ficaria assim por amar alguém e acabou abominando toda e qualquer relação
amorosa.
O seu primeiro contato com os monstros aconteceu só quando tinha
quatorze anos de idade, sua mãe estava muito doente e precisava de mais
remédios, por isso, deixou a pequena fazenda em que viviam e seu cheiro começou
a se espalhar pelo caminho. Levou consigo apenas uma pequena mochila com alguns
lanches e um broche de bronze que sua mãe havia lhe dado, ele tinha um formato
similar ao de uma caveira mas ela nunca quis realmente entender seu formato, só
o usava porque sua mãe dissera que era importante para ela que o fizesse.
Por morar em um lugar distante da
cidade, teve que percorrer um longo caminho com a bicicleta azul de sua mãe,
tão longo que a fez parar um momento, perto de uma casa, a primeira depois de
muito tempo pedalando.
Ela se sentou ali perto, deixando
a bicicleta apoiada no chão. Suas mãos percorreram as pernas doloridas até
alcançarem a garrafinha já vazia, talvez ela devesse ter levado duas. Sandy não
sabe quanto tempo ficou ali, mas pareceu coisa de cinco segundos porque estava
tão cansada quanto quando parou a bicicleta, mas o céu dizia o contrário.
Ao longe, viu uma pequena garota
chorando. Ela tinha os cabelos vermelhos em tom vivo e suas roupas estavam
sujas, como se estivesse perdida há muito tempo, Sandy se aproximou com
cuidado. Temia que algo tivesse acontecido com ela e esperava poder ajudar, nem
que fosse dando um pouco da sua comida ou a levando até a cidade consigo.
— Ei, está tudo bem? — A semideusa
perguntou ao se ajoelhar perto da garota, enquanto seus olhos negros analisavam
o corpo pequeno e frágil dela, procurando por ferimentos. A garotinha abriu um
sorriso pequeno de início mas logo ele se alargou, não como se ela estivesse
realmente feliz mas de um jeito anormal para uma garota tão pequena. Então seus
lábios tomaram o tamanho de uma boca adulta e todo seu corpo cresceu, deixando
os traços inocentes se tornarem curvas poderosas de uma Empousai.
A proximidade anterior da semideusa fez com o
que o crescimento repentino a derrubasse no chão de terra, que tinha se molhado
com a chuva. A garota tentou se afastar enquanto a criatura se aproximava com
sede, seu olhar brilhava com malícia, como se imaginasse um jeito novo de
matá-la a cada vez que seus olhos piscavam.
Em um movimento rápido e
impensado, tentou se virar para ficar de pé mas a mão escorregou na terra
molhada, fazendo com que seu peito batesse contra o chão e algo afiado batesse
contra sua bochecha, o local atingido ardeu. Sandy tentou se levantar mais uma
vez e sentiu o corpo ser puxado por unhas afiadas que iam cada vez mais fundo
em sua calça jeans, até achar sua pele. A Empousai puxou sua perna em sua
direção e a garota conseguiu ver uma adaga de bronze se revelar por baixo de
seu tronco, agarrou-a pelo cabo no último segundo.
Sua bochecha ardia assim como a
perna, o aperto do monstro ficava cada vez mais firme e suas unhas perfuravam
cada vez mais sua pele. Seu coração batia tão forte que quase o podia sentir
contra o peito, estava com medo, muito medo, mas não se deixaria abater, não
sem tentar. Seus dedos morenos se fecharam no cabo da adaga e seu tronco girou
até que a lâmina chegasse no braço da esverdeado da Empousai, ela soltou um
grito agudo que Sandy jurava expressar mais raiva que dor, sua mão soltou a
perna da garota e ela pôde se recuperar, ainda que a perna dolorida a fizesse
ficar um tanto manca.
— Ei, moça, por que não luta com
alguém com o mesmo tom de cabelo que o seu? — Uma garota perguntou ao sorrir, a
ruiva não estava sozinha, trazia mais algumas meninas com ela e a de aparência
mais nova ficou atrás, como se analisasse os movimentos das caçadoras que se
aproximaram. Elas eram diferente de tudo que a Sandy tinha visto, havia como um
brilho prateado ao redor delas e todas traziam arcos consigo. As meninas se
aproximaram atacando a Empousai com flechas, elas tinham grande agilidade
e os objetos pratas passaram a ser linhas no ar, a filha de Hades aproveitou a
distração da Empousai e arremessou a adaga — que tinha surgido ali quando
pressionou sem intenção o broche em sua blusa
— em suas costas. Agora sim sua reação foi de dor, seu corpo curvou e
ela desapareceu, assim, sem mais nem menos.
A adaga caiu no chão e os olhos de
Sandy seguiram o objeto, conseguiu ver que em seu cabo havia um símbolo similar
ao de seu broche. Ela se aproximou para pegar a arma e a analisou por um tempo,
voltando a observar as meninas, agora todas mais próximas.
— O que está acontecendo? —
Perguntou ainda confusa e embora tivesse suas emoções conturbadas, seu tom de
voz foi indiferente. As maioria das garotas mostraram um sorriso compreensível,
como se entendessem algo que a semideusa não conseguia. Elas lhe explicaram da
forma mais breve possível o que ela era. O que ela sempre tinha sido. Não
conseguiu digerir a história e entender, tentava processar as informações
quando a observadora tomou a dianteira dentre as meninas. As outras olhavam-na
com admiração e todas se calaram enquanto a deusa Ártemis analisava a garota de
roupas sujas, bochecha arranhada e adaga na mão.
— Você foi corajosa, conseguiu pensar
rápido e ainda quis ajudar uma garota que não conhecia, mesmo que tivesse tão
pouco para o fazer. — Sua voz era calma embora seus olhos brilhassem com
selvageria, ela indicou a pequena bicicleta azul e um sorriso pequeno desenhou
seus lábios.
— Vejo potencial em você, pequena
semideusa. Seria bom tê-la em minha Caçada. — Essas palavras pareciam rodar na
cabeça de Sandy e ela encarou o chão por um tempo, ao olhar para o rosto das
outra meninas, buscando alguma reação, conseguiu alguns sorrisos.
— Eu adoraria, mas...Não posso. Eu
tenho que ajudar minha mãe, foi o motivo de eu ter saído. — Ela explicou
enquanto apertava os dedos nas mãos, ainda desconfiada daquilo.
— Sua...Mãe. Certo. Eu posso
ajudá-la, mas caso se junte a Caçada terá que deixá-la aqui. Preciso da sua
lealdade, e suas visitas seriam perigosas para uma mortal. — A deusa prometeu pedindo algo em troca,
mesmo que disfarçadamente.
— Como saberei que a ajudou? —
Afrontou, embora o tom tivesse permanecido de forma imparcial, nada grosseiro.
Ainda assim, alguns olhares de canto foram trocados entre as seguidoras de
Ártemis. Ela tentou ignorar o fato de que não eram mais uma mortal, não era
mais nada que acreditava ser.
— Você saberá. — A voz dela saiu
firme e Sandy conseguiu confiar nessas duas pequenas palavras. A deusa explicou
que precisaria de um juramento e então a filha de Hades se ajoelhou, mantendo o
olhar baixo, repetiu as palavras da deusa:
— Eu me comprometo com a deusa Ártemis. Dou as costas para a companhia
dos homens, aceito a virgindade eterna e me junto á Caçada.
Algumas meninas bateram palmas
leves e outras a abraçaram, como se já a conhecessem desde sempre. Sandy
conseguiu se sentir acolhida ali, entre as meninas. Sentiu como se tivesse uma
família ampla e diversificada.
Durante seu tempo na Caçada,
demonstrou-se independente já que cuidou de si desde que descobriu que podia
fazê-lo e embora tenha confiado na promessa de Lady Ártemis, desejava encontrar
sua mãe, nem que por acidente, nem que por um segundo, apenas para saber que
Dália estava bem. Apesar da vontade, nunca o fez, nunca traiu a confiança da
deusa e sempre demonstrou devoção e gratidão pela Caçada e por todas que a
acolheram.
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